O tratamento oferecido e a consequente expectativa de vida do paciente de câncer no Sistema Único de Saúde (SUS) varia de acordo com o local em que ele é tratado. Na rede pública, ninguém escolhe onde será atendido.
A princÃpio, ir para esse ou aquele hospital não faria nenhuma diferença. Afinal, os protocolos clÃnicos e as diretrizes terapêuticas são estabelecidos pelo Ministério da Saúde e essas instruções deveriam nortear e igualar a conduta nas mais de 300 unidades de oncologia habilitadas no SUS. Mas a gestão e as polÃticas de saúde são descentralizadas - cada gestor é livre para estabelecer seus próprios padrões da assistência oncológica. "Ou seja, têm autorização legal para não seguir as normas estabelecidas pelo ministério", diz Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de Advocacy, do Instituto Oncoguia.
Em 2017, o Oncoguia mapeou a desigualdade no tratamento sistêmico do câncer no Brasil. Algumas unidades do SUS adotam as condutas recomendadas pelo ministério e outras oferecem terapêuticas acima do sugerido, comparáveis ao que há de melhor na medicina privada. Na maioria, porém, a abordagem está abaixo do preconizado. De lá para cá, nos últimos cinco anos, pouca coisa mudou.
Um dos principais entraves na busca por um sistema verdadeiramente igualitário está nas compras descentralizadas, o que dificulta a negociação por melhores preços.
Outra discrepância do SUS está nos prazos. Grande parte das unidades oncológicas não consegue cumprir as leis que determinam que o paciente com suspeita de câncer tem direito à realização dos exames diagnósticos em, no máximo, 30 dias, e que, confirmada a doença, o inÃcio do tratamento deve acontecer em 60. "Esses atrasos indicam um grave problema de regulação, de manejo dos intervalos de encaminhamento ao longo do sistema", diz Rafael Kaliks, diretor cientÃfico do Oncoguia. A luta contra as neoplasias malignas é uma corrida contra o tempo. Tumores detectados e tratados mais precocemente oferecem maior chance de cura. "Frequentemente, quando o paciente chega ao serviço especializado, a doença já se encontra em fases avançadas", completa Pascoal Marracini, presidente da Associação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer (Abificc). "Estamos em um sistema 3D –desorganizado, desarticulado e desestruturado", define ele.
Para o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, a criação de um sistema de saúde mais justo e mais eficiente implica conhecer as necessidades da sociedade, a quantidade de recursos disponÃveis, o funcionamento da operação das unidades oncológicas e os desfechos clÃnicos dos tratamentos na vida dos pacientes. Sem essas informações, é impossÃvel pensar em projetos nacionais de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer.
O passado revela que essas articulações são possÃveis no Brasil. Por que não abordar as neoplasias malignas como foi feito com a Aids e o tabagismo, dois exemplos de sucesso, referências para o mundo inteiro? Como define Angelo Maiolino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), a equidade no SUS não é (e não pode ser) uma utopia.
Descrição de chapéu
câncer