Tratamento de doenças hematológicas avança, mas pacientes ainda precisam lutar por acesso

Roda de conversa reuniu médicos da área e presidente de associação de pacientes

Nas últimas décadas, houve um progresso significativo na área da hematologia. Os grandes avanços no tratamento das doenças relacionadas ao sangue, assim como os desafios enfrentados pelos pacientes hoje, foram o tema de uma roda de conversa realizada pelo Estúdio Folha em parceria com a Novartis que contou com a participação dos hematologistas Renato Tavares e José Francisco Comenalli Marques Júnior, membros da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), e de Merula Steagall, da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale).

"Na área da hemato-oncologia, a medicina que fazíamos há 20 anos é totalmente diferente da que fazemos agora. Hoje nós temos a imunoterapia, o transplante autólogo e as terapias-alvo, quando você vai especificamente no local da doença e com uma toxicidade muito menor. Conseguimos dar drogas muito mais efetivas. São pouquíssimas as doenças que a gente trata de maneira similar à que tratávamos há 20, 30 anos", destacou Renato Tavares.

"Não só houve aumento da sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes como a diminuição na morbidade do tratamento. Hoje eu brinco que os médicos mais novos estão mal acostumados, porque eles têm acesso a terapias e a tecnologias diagnósticas que a gente nunca pensou que veríamos em nossas vidas. A mudança é impressionante."

A revolução no tratamento de cânceres hematológicos trouxe muita esperança para pessoas com problemas graves como policitemia vera, por exemplo. Segundo dados de epidemiologia, são estimados cerca de 6 casos de policitemia vera a cada 100 mil habitantes.

"Na área da hemato-oncologia, a medicina que fazíamos há 20 anos é totalmente diferente da que fazemos agora. Hoje nós temos a imunoterapia, o transplante autólogo e as terapias-alvo, quando você vai especificamente no local da doença e com uma toxicidade muito menor. Conseguimos dar drogas muito mais efetivas. São pouquíssimas as doenças que a gente trata de maneira similar à que tratávamos há 20, 30 anos"

Renato Tavares, hematologista

"Apesar de ter uma resposta boa, rápida e efetiva com tratamento padrão, cerca de 20% dos pacientes de policitemia vera sofrem com maior índice de trombose e de transformação para leucemias agudas, e também tem maior índice para evolução para mielofibrose secundária. Para que esses pacientes tenham uma melhoria nesse tratamento, temos que estar atentos à resistência e à intolerância a hidroxiureia, quando devemos trocar o tratamento. Os pacientes têm que ter acesso à segunda opção", explicou Tavares.

Consulta pública

Após o crivo da Anvisa, responsável por liberar os medicamentos para utilização no país, existe um outro processo para que eles sejam disponibilizados nos sistemas de saúde público e privado, por meio, respectivamente, da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) e da ANS, a Agência Nacional de Saúde Suplementar.

"Está aberta agora a consulta pública da ANS para as 16 indicações que nós [da ABHH] solicitamos de incorporação de medicamentos, ou seja, medicamentos que serão cobertos pelos convênios para os pacientes que necessitarem. É extremamente importante que todos participem, porque essa participação é decisiva. É aberta a qualquer pessoa. Quem é hematologista tem obrigação de participar, os outros médicos devem se informar e ajudar, e os pacientes têm que participar e solicitar que os seus médicos participem também", afirmou Tavares. Clique aqui para ler sobre a consulta pública, que acaba no dia 21 de novembro, e como participar.

"Esse é o momento em que a pessoa tem a voz, o direito de opinar e aquilo vai impactar diretamente no atendimento do paciente. É do interesse de todos."

Ele lembrou ainda que a próxima rodada de aprovações só vai acontecer daqui a dois anos. "É algo que estamos tentando mudar. Tem que ser contínuo. Mas só abrem essa possibilidade de propor novas terapias e exames a serem cobertos [pelos planos] a cada dois anos. O que for recusado agora só vai ter nova oportunidade de aprovação em dois anos. O paciente não espera, a doença não espera."

Terapia-alvo

José Francisco Comenalli Marques Júnior defendeu que a hematologia hoje não trata a doença, mas sim o doente. "É uma diferença fundamental para conseguir o sucesso no tratamento. Tratar a pessoa, com suas características próprias, motivou o avanço que são as terapias-alvo, que vão diretamente na causa do problema. Se você tem uma mutação que vai dar origem a uma célula leucêmica, você consegue combater essa mutação, temporária ou definitivamente. É o segredo dos maiores sucessos nos tratamentos dessas doenças."

Um exemplo disso é a leucemia mielóide crônica. "Há 20 anos, a gente tratava com transplante de medula óssea alogênico [de outro indivíduo], era a única forma de conseguir um aumento de sobrevida desses pacientes. Os outros tratamentos diminuíam os sintomas na fase que o paciente precisava controlar a doença, mas não tinha impacto na sobrevida. Eles costumavam morrer na mesma época que os que não estivessem se tratando", explicou Marques.

"Há 20 anos foi descoberta uma terapia-alvo chamada tirosina quinase, uma revolução. Os pacientes entraram em remissão da doença do ponto de vista molecular, quer dizer altera-se a genética da célula doente para que ela passe a se comportar praticamente de uma forma normal. Isso aumentou a sobrevida e a qualidade de vida de uma maneira fantástica, na grande maioria dos pacientes."

"Foi uma revolução a partir da hematologia e da leucemia mieloide crônica que se expandiu para muitas áreas da oncologia. É isso que a gente busca hoje tratar o doente, o alvo, acabar revertendo essa doença para dar uma sobrevida melhor, também com qualidade de vida, não trocando uma doença pela outra", destacou Marques.

"Tratar a pessoa, com suas características próprias, motivou o avanço que são as terapias-alvo, que vão diretamente na causa do problema. Se você tem uma mutação que vai dar origem a uma célula leucêmica, você consegue combater essa mutação, temporária ou definitivamente. É o segredo dos maiores sucessos nos tratamentos dessas doenças."

José Francisco Comenalli Marques Júnior, hematologista

"Doenças como a leucemia mieloide crônica a gente trata muito bem, a maioria dos pacientes tem uma ótima resposta, ótima sobrevida e, nas últimas décadas, a gente conseguiu mudar a realidade da saúde e da qualidade de vida para essa população", concorda Merula Steagall, da Abrale.

A presidente da associação, que luta pelos direitos dos pacientes hematológicos, nem sempre pode comemorar a evolução na área. "Ainda existem doenças como a leucemia mieloide aguda, muito agressiva, com pouca opção de tratamento. A gente ainda precisa de vaga em hospital e de rapidez no diagnóstico, o que não é a realidade no país", disse.

"A leucemia aguda se manifesta muito rapidamente, pela velocidade de replicação dessas células, e as leucemias crônicas, no decorrer do tempo, se manifestam de forma mais lenta. Isso não quer dizer que as duas não matem, isso não quer dizer que também que elas não curem. Basta a gente tratar a doença como ela deve ser tratada", diferenciou Marques.

"Uma coisa simples que todo mundo tem como contribuir: ir ao hemocentro e fazer sua doação sangue, ainda não criamos esse hábito de amor ao próximo."

Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)

É importante identificar a doença o quanto antes, e o hematologista aponta alguns sinais que devem ser observados. "Na nossa medula, produzimos três tipos de célula: glóbulo vermelho, que nos dá energia, glóbulo branco, que nos dá defesa, e plaquetas, que ajudam a coagular o sangue. Quando uma outra célula ocupa essa fábrica e não deixa que essas três se desenvolvam, vou ter anemia, fraqueza, febre, vou estar vulnerável a infecção e ter sangramento. Uma pessoa que está com fraqueza e pálida, com manchas roxas pelo corpo, com febre, uma gripe depois da outra, com sangramento no nariz e que, quando escova os dentes, a gengiva sangra, tem uma suspeita grande de leucemia."

No encerramento, Merula fez um chamado para toda a população. "Uma coisa simples que todo mundo tem como contribuir: ir ao hemocentro e fazer sua doação sangue, ainda não criamos esse hábito de amor ao próximo."

COMO PARTICIPAR

- Consultas Públicas são discussões de temas relevantes, abertas à sociedade, onde a ANS busca subsídios para o processo de tomada de decisão.

- A Consulta Pública deve contar com a participação tanto de cidadãos quanto de setores especializados da sociedade, como sociedades científicas, entidades profissionais, universidades, institutos de pesquisa e representações do setor regulado.

Consulta em vigor:

Consulta Pública nº 81 - Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde – Ciclo 2019/2020

Quando: até 21/11/2020

Veja aqui o passo a passo.

Para participar, acesse: ans.gov.br/