Vacinação contra a raiva humana é medida de prevenção para grupos de risco

Para especialistas, iniciativa de imunizar as pessoas que têm mais contato com animais ou que vivem em áreas vulneráveis é estratégica para salvar vidas

A raiva humana é a mais temida das zoonoses, como são conhecidas as doenças transmissíveis entre o homem e os animais. A raiva leva os infectados, humanos e animais de qualquer espécie - doméstico ou silvestre-- à morte por uma infecção aguda no sistema nervoso em praticamente 100% dos casos1. O contágio ocorre por meio do contato com a saliva de um animal contaminado. No Brasil, o morcego hematófago, aquele que se alimenta de sangue, é o principal, mas não o único transmissor da doença2.

A vacinação contra a raiva pode ser administrada antes ou depois do contato com o vírus. A chamada profilaxia pré-exposição consiste em imunizar, preventivamente, pessoas que correm maior risco, por sua profissão ou pela região onde vivem. Essa é uma estratégia eficaz para o enfrentamento da doença3.

Esse tipo de prevenção pode beneficiar, por exemplo, populações ribeirinhas. "As comunidades dentro da floresta amazônica têm acesso mais difícil ao serviço de saúde, que requer deslocamento via barco e não é próximo. Nessas áreas há também o risco elevado de mordida de morcego hematófago", explica Marco Antonio Natal Vigilato, médico-veterinário da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

Encontrado na natureza do norte do México até o Uruguai e presente em todos os biomas do Brasil, o morcego hematófago4, na falta de alimento, busca o sangue humano para saciar a fome e se aproveita da pouca proteção das casas sem vedação.

"É muito comum casos de agressão de morcegos nesses locais com moradias mais precárias e mais próximos à mata. Em algum momento, os animais podem estar infectados e transmitir o vírus, causando a raiva humana. Quando acontece, em geral, são cinco, dez casos de uma vez em uma única localidade, por isso é estratégico vacinar essas pessoas que estão mais vulneráveis."

O especialista da Opas conta ainda que alguns países já investem na imunização prévia como medida de saúde pública. "No Peru, há uma legislação que define as áreas de risco e o programa de imunização para essas pessoas5.É o que queremos fazer no Brasil também, criar uma política pública para evitar mortes através da profilaxia pré-exposição."

Profissionais em risco

No caso de quem lida diretamente com animais, como biólogos, zootécnicos, veterinários e funcionários de pet shops, é fundamental que haja a profilaxia pré-exposição, assim como aqueles que estão mais suscetíveis ao ataque de morcegos, como espeleólogos, por exemplo.

"É importante os profissionais que trabalham em constante risco buscarem o serviço de saúde, explicarem a função que exercem e se imunizarem. Existe vacina e esquema profilático para isso. As pessoas precisam saber que a vacina está disponível e é grátis no Brasil, ao contrário de outros países", afirma Vigilato.

Ele recorda um caso ocorrido na Costa Rica, em 20186. "Era um biólogo que trabalhava com morcegos, um acadêmico, e morreu de raiva. Ele entrou em contato com o vírus por uma mordida na mão, não tinha a profilaxia pré-exposição nem procurou atenção médica imediatamente após o acidente."

"Muitos negligenciam, porque nunca aconteceu antes e esquecem da importância, não aplicam para si próprios o que aprenderam. É importante fazer uma conscientização para o problema, prevenir quem tem muito risco devido a atividade laboral", destaca Helio Langoni, médico-veterinário, sanitarista e professor titular aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Caso uma pessoa seja atacada por qualquer animal, há medidas simples que devem ser feitas o quanto antes e que podem ser determinantes na evolução de um possível caso de raiva.

"Foi agredido por um cão ou arranhado por um gato? Lave bem a mão e o local da ferida com água e sabão, e passe álcool. O vírus da raiva é extremamente lábil às condições ambientais7. Ele não resiste a uma série de antissépticos. O que eu recomendo é que primeiro faça o que você pode fazer: uma boa desinfecção para retirar o maior número de partículas que ficaram no local da agressão. Depois, deve-se procurar o posto de saúde", explica o professor Langoni.

Se a avaliação médica constatar a necessidade de realizar o tratamento pós-exposição ao vírus, serão quatro doses da vacina antirrábica, com intervalos de alguns dias entre elas. Em casos graves, soro ou imunoglobulina antirrábicos também são utilizados para que o processo do vírus no corpo seja retardado e haja mais tempo para que o sistema imunológico crie defesas contra a doença8.

Referências

1- Ministério da Saúde. Raiva: o que é, causas, sintomas, tratamento, diagnóstico e prevenção. Disponível em https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/raiva

2- KOTAIT, Ivanete et al. Reservatórios silvestres do vírus da raiva: um desafio para a saúde pública. BEPA, Bol. epidemiol. paul. (Online) [online]. 2007, vol.4, n.40 [citado 2021-06-22], pp. 02-08 . Disponível em: http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-42722007000400001&lng=pt&nrm=iso

3- Ministério da Saúde. Normas Técnicas da Profilaxia da Raiva Humana. Disponível em https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2015/outubro/19/Normas-tecnicas-profilaxia-raiva.pdf

4- SIMMONS, N. B. Order Chiroptera. In: WILSON, D. E.; REEDER, D. M. (Eds.). Mammal Species of the World: A Taxonomic and Geographic Reference. 3. ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. v. 1, p. 312-529.

5- Soentjens P, Berens-Riha N, Van Herrewege Y, et alVaccinating children in high-endemic rabies regions: what are we waiting for?BMJ Global Health 2021;6:e004074. Disponível em https://gh.bmj.com/content/6/2/e004074

6- The Costa Rica Star. Biologist Bitten By Rabid Vampire Bat Dies in Costa Rica. Disponível

em https://news.co.cr/biologist-bitten-by-rabid-vampire-bat-dies-in-costa-rica/77427/

7- Menozzi, Benedito Donizete. Caracterização antigênica e genotípica de isolados do vírus rábico, de quirópteros da cidade de Botucatu – SP e região / Benedito Donizete Menozzi. – Botucatu : [s.n.], 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/89935/menozzi_bd_me_botfm.pdf?sequence=1

8- Ministério da Saúde. Alteração no Esquema de Profilaxia da Raiva Humana. Disponível em https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/agosto/04/Nota-Informativa-N-26_SEI_2017_CGPNI_DEVIT_SVS_MS.pdf

MAT-BR-2103890 – Junho/2021