Além de recursos, é preciso planejamento e definição de metas e de prioridades

Para especialistas, planos na área de saúde devem ser feitos no longo prazo, com uso inteligente de dados e identificação de responsabilidades

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.

Com a sua criação, o SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação. A atenção integrada à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde.

Paula Lawall, diretora de áreas estratégicas da atenção primária da Secretaria da Saúde do Distrito Federal
Paula Lawall, diretora de áreas estratégicas da atenção primária da Secretaria da Saúde do Distrito Federal - Keiny Andrade

Mas a realidade brasileira mostra que ainda há muito a avançar. Além de mais recursos, especialistas apontam que para garantir o cumprimento da Constituição é preciso planejamento no longo prazo, uso inteligente de dados e a definição de prioridades.

Fernando Aith, professor titular do departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, afirma que, no Brasil, o planejamento na saúde é feito para o período de apenas quatro anos, tempo da duração do mandato dos governantes. Aith foi um dos participantes da mesa "Financiamento da Saúde" e defende que, além de um planejamento de longo prazo, é preciso que os planos na área de saúde tenham prioridades, metas e responsabilidades bem definidas. "E considerar indicadores básicos, como mortalidade infantil, expectativa de vida e mortalidade materna, por exemplo".

Diretora de Áreas Estratégicas da Atenção Primária da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal, Paula Lawall afirma que, sem o estabelecimento de metas e de responsabilidades, o planejamento é feito de forma inadequada.

Fernando Aith, professor titular do departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP
Fernando Aith, professor titular do departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP - Keiny Andrade

Para um planejamento adequado, a análise de dados é fundamental. "Estamos ainda começando a caminhar nos sistemas de dados e informações. O Datasus (órgão do SUS que coleta, processa e dissemina informações sobre saúde no país), por exemplo, é uma excelente fonte de dados, mas não há o desfecho dos tratamentos. Não é um prontuário médico que consiga avaliar fatores que são críticos para definir prioridades em saúde", afirma Felipe Abdo, consultor na área de saúde.

Abdo destaca, ainda, que a falta de informação estruturada dificulta a escolha do que priorizar no financiamento da saúde, especialmente em relação aos novos tratamentos. "É uma discussão muito complexa e, de fato, tem que ser democrática. Porém é uma discussão longa, em que priorizar é o problema principal", diz.

Felipe Abdo, consultor na área de saúde
Felipe Abdo, consultor na área de saúde - Keiny Andrade

A discussão de como garantir um pouco de equidade no tratamento de doenças raras é um desafio em todo o mundo, afirma Fernando Aith. Mas ele vê avanços e diz que um dos caminhos é aperfeiçoar os sistemas de incorporação de novas tecnologias nos sistemas público e privado. "O grande valor da democracia é a proteção das minorias. A democracia é tudo menos a ditadura da maioria. Em um sistema de saúde público, universal e solidário como o nosso, é preciso pensar nas minorias", diz.

Paula Lawall, que também atua na formação de estudantes de Medicina do UNIEURO e da Fiocruz, lembra que é preciso investir na capacitação das equipes da área de saúde em gestão. "Os profissionais precisam aprender a problematizar, entender quais são as dificuldades e viver a prática do dia a dia", diz. Isso, segundo ela, é fundamental para que os recursos sejam usados de maneira mais assertiva.

Projeto propõe desvincular recursos da saúde dos altos e baixos da economia

Carlos Ocké, pesquisador do Ipea
Carlos Ocké, pesquisador do Ipea - Keiny Andrade

Cerca de 75% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS para ter acesso à saúde. Mas é justamente nos momentos de crise econômica, quando a vulnerabilidade desse enorme contingente de pessoas aumenta, que os recursos destinados à saúde pública ficam ainda mais escassos.

No modelo atual, a lei prevê que estados e municípios invistam um percentual da arrecadação em serviços públicos de saúde, de 12% e 15%, respectivamente. A parcela que cabe à União é determinada, entre outros fatores, pela variação do Produto Interno Bruto (PIB).

Essa fórmula deixa o financiamento da saúde sujeito aos altos e baixos da economia, gera subfinanciamento do sistema e compromete o atendimento à população.

Para mudar esse quadro, a Associação Brasileira de Economia da Saúde propõe que o investimento público em saúde cresça de maneira escalonada, revertendo em 10 anos a tendência de queda.

O estudo "Nova Política de Financiamento do SUS" foi apresentado durante o evento pelo pesquisador e doutor em saúde coletiva Carlos Ocké, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A proposta foi enviada, durante a campanha, a todos os candidatos à Presidência.

Ocké explica que o objetivo da proposta é evitar a queda do gasto público de saúde, por meio de uma regra acíclica, quando houver desaceleração da economia. "Gastos estratégicos da sociedade, como saúde e meio ambiente, precisam ter ajustes automáticos no longo prazo a partir dos fatores que condicionam esses gastos. Ou seja, independentemente da alta ou da baixa do ciclo econômico com o aumento do PIB, o gasto público vai continuar crescendo no longo prazo".

Hoje o Brasil gasta 9,6% do PIB em saúde. Mas, diferentemente de outros países que adotam o sistema universal de saúde, no Brasil o gasto privado é maior do que o público.

"Essa proposta quer reverter essa relação, porque isso não faz sentido. Essa mudança vai, inclusive, desonerar estados e municípios que estão sobrecarregados com o financiamento do sistema".