Fortalecer a Atenção Básica é o caminho para sustentabilidade do sistema de saúde

Investimento em prevenção e capacitação de profissionais e a criação de indicadores de qualidade se revertem em eficiência, menor custo e mais qualidade de vida à população

O fortalecimento da rede de atenção primária à saúde (APS), porta de entrada do paciente no sistema público ou privado, é um dos maiores consensos entre especialistas do Brasil e do mundo.

Uma rede de atenção primária organizada, com profissionais capacitados e que disponham de uma estrutura que possibilite a gestão do cuidado contínuo, atua como um filtro capaz de organizar o fluxo de serviços em toda a rede de atendimento, o que garante não só mais qualidade de vida à população mas também a sustentabilidade de todo o sistema de saúde.

"Iniciativas de atenção primária na saúde pública trazem uma boa relação de eficiência, custo e qualidade. Elas reúnem elementos que levam a desfechos positivos em várias frentes", explica o médico José Marcelo de Oliveira, diretor presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, um dos participantes do painel "Atenção Básica Rompendo Fronteiras", que deu início à série de debates do evento.

As medidas que buscam aumentar o protagonismo da APS e promover a coordenação dos cuidados são um tema recorrente e prioritário na agenda do setor. Exemplos bem-sucedidos espalhados pelo país mostram que essa transformação é possível.

José Marcelo relata que o Oswaldo Cruz tem várias parcerias com o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para capacitar profissionais da das redes pública e particular.

O Oswaldo Cruz participa, por exemplo, do Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), do Ministério da Saúde, por meio de capacitação de recursos humanos, pesquisa, incorporação de tecnologias, gestão e assistência especializada.

Uma das atividades desenvolvidas pelo hospital é levar capacitação para os profissionais que atuam nas farmácias e trabalham com as populações de doenças crônicas não transmissíveis.

José Marcelo de Oliveira, diretor presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
José Marcelo de Oliveira, diretor presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz - Keiny Andrade

Para Mauro Junqueira, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a experiência do Proadi-SUS é um exemplo de como são importantes as Parcerias Público Privadas (PPPs).

A farmácia é o contato mais frequente do usuário com o sistema de saúde. Profissionais capacitados podem ajudar na adesão ao tratamento, além de alertar as autoridades sobre o desabastecimento de medicamentos.

Santusa Pereira Santana, farmacêutica, diretora de soluções educacionais e consultoria na Lit Health e ex-diretora na Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais, enfatiza que o sucesso desse programa de farmácias acontece porque tem "alguém na ponta" que aciona a solução dos problemas em toda a rede de assistência.

Santusa Pereira Santana
Santusa Pereira Santana, diretora de soluções educacionais e consultoria na Lit Health e ex-diretora na Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais - Keiny Andrade

Além disso, afirma Santusa, o contato mais frequente com esse paciente é um incentivo à adesão ao tratamento.

Junqueira também lembra que outra medida importante foi a criação do programa Previne Brasil, do governo federal, que mudou os critérios de financiamento da APS. "Antes os municípios recebiam um valor fixo do Ministério da Saúde, mas agora a liberação de recursos depende de metas", explica.

Ele afirma que a pandemia de Covid-19 acabou dificultando a implementação do projeto, com vários indicadores ainda não definidos. Mas ressalta que a iniciativa poderá corrigir distorções na liberação de recursos. "Nos últimos dez anos, o orçamento para a atenção primária não foi totalmente utilizado", diz.

Santusa destaca a importância da valorização do SUS e diz que o primeiro passo é entender a percepção que o paciente tem do sistema. "Há necessidade de um programa de comunicação para a população conhecer melhor o que faz o SUS, para assim interagir melhor com o sistema", completa.

Mauro Junqueira, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)
Mauro Junqueira, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) - Keiny Andrade

Segundo ela, é um erro tentar padronizar o atendimento da rede, porque as realidades do país, inclusive culturais e até religiosas, são diversas. Para ilustrar essas diferenças, ela lembra que há casos de comunidades em que o paciente só adere ao tratamento dependendo da opinião do padre, pastor ou representante de sua religião.

Os três especialistas reforçam que o investimento na atenção básica acaba reduzindo os custos do sistema de saúde no longo prazo. José Marcelo diz que a experiência com os próprios colaboradores e parentes do Oswaldo Cruz comprova isso.

O hospital iniciou há mais de dez anos um programa de atenção básica com seus 3.500 colaboradores, engajando-os e investindo no desenvolvimento de hábitos saudáveis dessa população. O programa se estendeu aos dependentes, e hoje forma um universo de 7.500 pessoas.

"O custo do serviço de saúde na folha de pagamento do hospital é de cerca de 8%, mas já chegou a ser 12%", comemora.