Os avanços tecnológicos revolucionaram a medicina nas últimas décadas.
As cirurgias robóticas, o desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 de RNA mensageiro e a explosão das teleconsultas durante a pandemia são alguns dos exemplos do impacto dessa evolução tanto para profissionais de saúde como para os pacientes e a população.
Mas a tecnologia aplicada à saúde vai muito além de equipamentos modernos e aplicativos: ela só faz sentido se fizer parte de uma estratégia para ampliar o acesso dos pacientes a diagnósticos precoces e tratamentos mais assertivos e se houver engajamento da população.
Essa foi a principal conclusão dos especialistas que participaram da mesa " Tecnologia como Aliada no Acesso à Saúde".
Segundo a infectologista e epidemiologista Luana Araújo, gerente do Núcleo de Governança Pública do Centro de Estudos e Promoção de PolÃticas de Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, o primeiro passo para que os benefÃcios dos avanços tecnológicos em saúde cheguem à população é criar uma boa estrutura de dados.
"É preciso coletar dados de qualidade, ter capacidade de armazenamento e gerar a disponibilidade e interoperabilidade desses dados. E, para que a população se beneficie dessa tecnologia, é fundamental ter capacidade de interpretar esses dados, isto é, compartilhar isso com os sistemas de saúde público e privado", afirma.
A especialista reforça que dado não é informação. "Dado organizado é informação. Mas informação não é ação. Informação organizada e priorizada é um caminho. Precisamos investir os recursos para atingir isso, em especial no sistema público."
Antoine Daher, presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras e presidente da Casa Hunter, associação sem fins lucrativos de apoio aos pacientes com doenças raras, concorda: "Temos que trabalhar a questão da tecnologia em saúde para facilitar a vida dos pacientes".
Daher defende que a telemedicina pode encurtar o tempo para o diagnóstico das doenças raras, que costuma levar anos, e aumentar a qualidade de vida dos pacientes. "O atendimento virtual pode evitar que muitos pacientes com doenças raras percam horas de deslocamentos desnecessários e meses em filas de espera."
Luana afirma que a tecnologia é um passo importante para uma "saúde pública de precisão". "Falamos muito em medicina de precisão, mas saúde pública de precisão deve ser o próximo passo. A intervenção correta para quem precisa no momento que for necessário", diz.
Para que isso ocorra, a especialista considera fundamental pensar em saúde não apenas como ausência de doença, focar a prevenção e investir em educação e conscientização da população, para engajá-la no processo.
"A telemedicina é necessária. Mas precisamos fazer com que a pessoa entenda o problema que tem ou que pode evitar. E isso é tão importante quanto a ferramenta. A forma como a tecnologia é incorporada é que vai garantir a equidade de acesso e a ampliação desse acesso, não a ferramenta tecnológica em si", diz.
E completa: "A explosão das teleconsultas no setor privado durante a pandemia mostrou que havia uma grande demanda reprimida, que foi bem aproveitada. Mas isso não aconteceu na saúde pública. Por um lado, o paÃs tem o acesso a celulares como nunca se teve. Por outro, as pessoas não têm acesso ao SUS (Sistema Único de Saúde) através dessa tecnologia."
Daher afirma que a Casa dos Raros se propõe a ser um exemplo prático de uso da tecnologia em saúde para aumentar o acesso e a equidade aos pacientes com doenças raras.
Inaugurada no final de novembro em Porto Alegre (RS), a Casa dos Raros é um centro de atendimento integral e treinamento em doenças raras. A Casa Hunter e o Instituto Genética para Todos estão à frente do projeto, que tem como objetivo ampliar o acesso ao diagnóstico rápido e preciso, garantir tratamento e fomentar pesquisas.
"Vamos atender pacientes do SUS, particulares e de convênio. E vamos fazer parcerias com o Estado em alguns hospitais e com universidades, para capacitação dos profissionais na área de genética."
Ele conta que a telemedicina deve ajudar desde o primeiro contato, com a famÃlia e com o paciente, para fazer a triagem e otimizar o atendimento. A ideia é evitar deslocamentos desnecessários. "O paciente vem à Casa dos Raros para exames com foco no diagnóstico precoce e para ser atendido por uma equipe multiprofissional que vai orientar o tratamento. Em seguida, volta para onde reside e o acompanhamento é feito por telemedicina, assim como a capacitação da equipe médica que trata dele naquele local", conclui.