Quando se pensa em turismo de observação de animais na Argentina, logo vem à mente ver baleias ou pinguins em lugares como a Península Valdés, por exemplo. Não é fácil relacionar o país vizinho a um safári fotográfico atrás de onças pintadas. Ou melhor, não era, já que esses grandes felinos estavam extintos há 70 anos na região dos Esteros del Iberá, um ecossistema muito parecido com o nosso Pantanal. A boa notícia: as onças estão de volta por ali. E não só elas.
Os Esteros del Iberá ficam em Corrientes, estado argentino na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. São 1,3 milhão de hectares de planícies alagadas, pântanos, lagos e vida selvagem. É o segundo mais vasto ecossistema assim do mundo, apenas atrás do Pantanal brasileiro. Um lugar perfeito para turismo ecológico e observação de animais silvestres, não fosse um terrível detalhe: no final da década de 1990, muitas espécies estavam extintas. O lindo cenário estava ali, mas sem os atores principais.
Foi aí que entrou em cena a Rewilding Argentina, um grupo de ativistas conservacionistas conectados a um movimento mundial de restaurar ecossistemas e reinserir espécies extintas, o Re:wild, que tem como membro do conselho ninguém menos que o ator e ambientalista Leonardo di Caprio. Ele chegou a comemorar com um post no Instagram o crescimento da população de onças no Iberá.
Hoje, há entre entre 16 e 21 onças andando livremente pelo Grande Parque Iberá, a área de conservação formada pelo Parque Provincial Iberá, com cerca de 600 mil hectares, e o Parque Nacional Iberá, com 158 mil hectares doados pela Tompkins Conservation e pela Rewilding Argentina ao Estado Nacional.
Pode parecer pouco, mas isso representa 10% da população desses animais na Argentina inteira. É a coroação de um trabalho que começou em 1997, quando a Rewilding escolheu o ecossistema do Iberá para ser seu projeto pioneiro no país.
Os animais extintos foram trazidos de outros parques e foram montados sofisticados centros de reintrodução para, em seguida, reinserir as espécies na natureza, monitorar sua evolução e aumento populacional. Assim foi com o tamanduá, o veado dos pampas, o porco-do-mato e a arara vermelha. Na última etapa, foram reintegrados à natureza os predadores do topo da cadeia: as lontras gigantes e as onças pintadas.
Além das espécies extintas que foram reinseridas, o Parque é refúgio para animais que estão desaparecendo em outros lugares, como o gato pampeano uruguaio, que hoje só existe ali, ou para o yetapá de collar, um belo pássaro autóctone, os cervos do pântano e o lobo guará.
Quem visita o parque tem também a oportunidade de ver de perto capivaras, jacarés e mais de 300 espécies de aves, fazendo com que o lugar também seja um paraíso para o cada vez mais popular turismo de observação de aves.
VASTAS PLANÍCIES E VÁRIOS PORTAIS
Assim como o Pantanal brasileiro, as enormes distâncias e a natureza agreste do lugar fazem com que os Esteros del Iberá sejam acessíveis por vários portais cujos acessos se dão pelas cidades dos arredores, que podem ser usadas como base para a viagem.
Algumas são mais urbanizadas, outras mais rústicas, e vale estudá-las para escolher o tipo de hospedagem e de serviços ideais para cada estilo de viajante. Excursões, guias e experiências nos Esteros são contratados nas cidades do entorno.
Pioneiro no ecoturismo, o mais conhecido dos portais é o Lagoa Iberá, próximo ao Colonia Carlos Pellegrini, pitoresco pueblo de ruas de terra e apenas 900 habitantes, localizado a 120 km da cidade de Mercedes. Ali, há um Centro de Interpretação e se pode organizar passeios a pé, a cavalo, barco, canoa e caiaque. Esse pedaço é muito bom para observação de animais pela grande quantidade de espécies distintas concentradas: há capivaras, cervos do pântano, corças, macacos, jacarés, jiboias, raposas, borboletas e cerca de 400 espécies de aves, entre elas o yetapá de collar, emblema dos estuários. À noite, sob o céu estrelado, também acontecem safáris noturnos.
Carlos Pellegrini tem vários hotéis e hospedarias de diferentes categorias e uma vida cultural interessante, com artesanato – cestarias, têxteis, esculturas em madeira etc. – além de ser um bom lugar para ver apresentações de chamamé, a dança típica local e provar a culinária tradicional.
Já a oeste do Parque está outro acesso muito famoso: o Portal Carambola, a 27 km da cidade histórica de Concepción del Yaguareté Corá, a mais antiga da província, fundada em 1796 e que ainda conserva casas coloniais com grandes galerias. Uma das melhores experiências ali é percorrer riachos de canoa com barco, como ainda fazem os habitantes do interior de Iberá. Há também passeios de canoa puxada a cavalo —outra tradição da região.
Além disso, há passeios de bicicleta, excursões para observação de pássaros, passeios culturais pela vila e visitas aos museus, a maioria das excursões guiadas por locais, que conhecem essa terra como ninguém e oferecem refeições típicas. Uma forma de se aproximar da cultura gaúcha ibérica e desfrutar da cozinha tradicional de Corrientes.
Também a oeste do Parque, o Portal San Nicolás é o mais procurado pelos observadores de pássaros, já que é um dos melhores lugares para ver espécies emblemáticas, como o yetapá de collar ou a freira dominicana. Há também jacarés, capivaras, veados, raposas e muitos outros animais. A cidade mais próxima é San Miguel.
Já o Portal Cambyretá, ao norte do parque, tem como diferencial a proximidade com o Rio Paraná, que divide a Argentina do Paraguai. A cidade mais próxima, Ituzaingó, conta com 15 km de praias de areia na costa do rio. É um local muito procurado para a pesca esportiva e para saborear iguarias típicas da culinária crioula-guarani, como empanadas de peixe, peixe frito com limão, empanadas de charque e sopa paraguaia.
A 14 km de Ituzaingó, bem no meio do rio Paraná, a ilha de Apipé Grande é um dos destinos de natureza mais atraentes da província, com praias e trilhas para observação de aves e fauna entre matas de galeria, campos e lagoas formadas em um antigo leito de rio.
Outros portais menos conhecidos e mais remotos são o Portal San Antonio, a 17km da cidade de Loreto; o Portal Uguay, a leste do Parque e onde moram poucas famílias; o Portal Rio Corrientes, ao sul dos esteiros; e o Portal Galarza, a leste.
E como se não bastasse tudo isso, ao lado do Grande Parque Iberá está o Parque Nacional Mburucuyá, a apenas 20 quilômetros da cidade de mesmo nome. Trata-se de uma confluência de estuários, floresta do Chaco, selva paranaense, a floresta espinal e um belo palmeiral. É ideal para camping (há uma área para isso dentro do parque), observação de pássaros e vida selvagem em geral, acessíveis por trilhas.
Também pode-se visitar a casa museu da família Pedersen, antigos proprietários da estância doada para a Administração de Parques Nacionais. Juntamente com os portais de San Nicolás e Carambola, esse parque forma um interessante circuito de paisagens naturais e culturais.
OUTROS NOVOS PARQUES
Os Esteros del Ibera são o primeiro projeto de recuperação de ecossistema da Rewilding Argentina, mas não o último. Desde a fundação, tem agido para criar, conservar e reinserir espécies em outras reservas de norte a sul do país. Foram 407 mil hectares de área doadas para criação de parques, 1 milhão de hectares protegidos e 100 mil km de mar protegido por meio do trabalho da fundação.
Na província de Santa Cruz, em 2004, foi criado o Parque Nacional Monte de León; em 2014, o Parque Nacional El Impenetrable, na província de Chaco, além do aumento da área do Parque Nacional Perito Moreno, também em Santa Cruz que, no mesmo ano, ganha doações de terra que possibilitam a criação do Parque Nacional Patagonia. Em 2018, mais 3 parques entram na conta da fundação: Parque Nacional Aconquija, em Tucumán, e os parques Nacionais Marinhos Yaganes e Namucurá. Por fim, Santa Cruz ganha também o Parque Provincial Cueva de las Manos.
SERVIÇO
Melhor época para ir
Os Esteros são uma viagem que pode ser feita o ano inteiro, mas, da mesma forma que o Pantanal, a paisagem pode mudar. Durante a temporada seca (março a setembro), os níveis de água estão mais baixos, o que facilita a observação da vida selvagem, já que os animais se concentram em torno das fontes de água restantes. No entanto, pode afetar a disponibilidade de atividades aquáticas. O período chuvoso (outubro a fevereiro) é ótimo para observar aves migratórias, mas é bem quente e as chuvas podem dificultar viagens de carro.
Como chegar
As cidades de Corrientes, Ituzaingó, Mercedes (na província de Corrientes) e Posadas (capital da província de Misiones) são os principais pontos de acesso aos portais e para explorar a região. Dessas, apenas Corrientes tem aeroporto internacional. A Aerolíneas Argentinas voa de São Paulo para lá com conexão em Buenos Aires. Do sul do Brasil, dá para chegar aos Esteros del Iberá de carro. De Porto Alegre ao Portal Laguna Iberá são 775km.
Como visitar
Os Esteiros do Iberá são um destino agreste e apesar de dirigir por ali ser uma boa ideia, é preciso tomar certos cuidados, como levar os mapas descarregados no telefone ou em papel, pois nem sempre há sinal de celular. Além de ter o tanque cheio de combustível, consultar a previsão do tempo e as condições da estrada. É provável também que você veja animais na estrada: vá devagar, aprecie a paisagem e evite acidentes que ponham em perigo a fauna.
O que levar
A pouca estrutura no caminho exige que se leve sempre uma garrafinha de água para os passeios. Para vestir: roupas claras, calças leves e longas e camisas de manga comprida, além de sapatos fechados para caminhada e para evitar picadas de insetos. Chapéu/boné também são itens obrigatórios, além dos binóculos e da câmera com um bom zoom para registrar tudo da melhor maneira. Leve sempre dinheiro. Não há caixas eletrônicos nem a possibilidade de pagamento eletrônico nos portais.
Documentação
Para entrar na Argentina, brasileiros devem apenas apresentar uma cédula de identidade válida (RG) ou então o passaporte internacional, também válido. O período de permanência no país não deve ultrapassar 3 meses.