“O mais importante para o paciente com câncer é saber que está recebendo o melhor tratamento que existe para a sua doença”, disse o oncologista Rafael Kaliks, diretor científico voluntário do Oncoguia, durante debate no 11º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia.
Vinte anos atrás, testes de DNA, estudos de genômica e sequenciamento genético faziam parte de um futuro que parecia distante e inacessível. Não mais. O mapeamento do Genoma Humano em 2003 provocou uma revolução do conhecimento biológico, e as descobertas decorrentes possibilitaram entender, entre tantas coisas, a origem dos tumores.
Saber como um câncer se inicia aumenta as chances de destruí-lo de forma mais eficiente, direcionando medicamentos e tratamentos para alvos específicos das células tumorais. Essa é a base da oncologia de precisão. Na prática, integra dados da biologia molecular à evolução clínica e à resposta ao tratamento, permitindo reconhecer caminhos mais eficazes e menos tóxicos para combater o câncer de acordo com o perfil molecular do tumor.
A imunoterapia, que estimula o nosso próprio sistema imune a reconhecer o câncer e combatê-lo, está no centro dos holofotes da oncologia moderna, assim como a terapia-alvo, que ataca diretamente as células cancerosas (veja quadro).
Esses tratamentos revolucionários agem de forma mais precisa, oferecendo melhores resultados com menos efeitos colaterais. “Nos Estados Unidos, a mortalidade por câncer está caindo, apesar de o número de casos estar estável ou subindo. Isso acontece porque as novas terapias estão salvando vidas em uma proporção incrível”, afirmou Kaliks.
Segundo o oncologista, esses medicamentos estão prolongando a vida, com qualidade, de pacientes com tipos graves de câncer, como o de pulmão e os melanomas metastáticos.
Sergio Simon, oncologista clínico do Grupo Oncoclínicas e do Hospital Israelita Albert Einstein, concordou. “As terapias mais modernas de combate ao câncer, quando não oferecem a cura ou remissão da doença, aumentam a sobrevida a ponto de o câncer virar uma doença crônica, em que o paciente, medicado, leva uma vida normal”, disse.
Simon citou alguns exemplos de casos graves de câncer que, com o tratamento correto, se transformaram em doenças crônicas. “Tenho um paciente de leucemia mieloide crônica que foi diagnosticado faz mais de 20 anos. Está em tratamento com uma terapia-alvo: foi o primeiro paciente a receber a droga no Brasil, no ano 2000. Toma um comprimido por dia, não tem efeitos colaterais e leva uma vida normal”, contou.
Segundo Simon, os efeitos colaterais desses medicamentos são, em geral, manejáveis, e a qualidade de vida do paciente é mantida. A questão é a dificuldade de acesso da população, limitada pelos altos custos.
“Não basta ser eficaz, tem que estar disponível”, afirmou Kaliks. Como o custo desses tratamentos é alto, nem todos foram incorporados no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com cobertura pelos planos de saúde, e muito poucos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), que atende cerca de 70% da população brasileira.
“Há casos em que a incorporação do medicamento é aprovada, mas a verba não é liberada para a compra”, disse. A falta de recursos não é o único problema. Segundo Kaliks, a existência de duas agências regulatórias (a ANS para a saúde suplementar e a Conitec, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias, para o SUS) também atrapalha. “Uma agência única seria um passo importante para democratizar o acesso da população a esses tratamentos”, concluiu.