O acesso a novas tecnologias em saúde no Brasil é um enorme desafio. Os avanços na área são inúmeros e promissores, mas poucos pacientes se beneficiam. Tratamentos de ponta, como a imunoterapia e a terapia-alvo, mudaram a história de vários tipos de câncer, oferecendo possibilidade de cura ou de aumento da expectativa de vida com menos efeitos adversos.
O custo dessas terapias modernas é impraticável para o bolso dos cidadãos: gira em torno de US$ 10 mil mensais (cerca de R$ 52 mil). Parte dessas novas tecnologias está incorporada ao rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), disponível a quem tem plano de saúde. Mas poucas chegam ao Sistema Único de Saúde (SUS), que atende mais de 70% dos brasileiros.
Denizar Vianna, professor associado da Faculdade de Ciências Médicas
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), liderou a discussão sobre como melhorar os processos de incorporação dessas novas tecnologias no país no 11º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia On-line.
“Temos um grande legado. Apesar de as incorporações de tecnologias em saúde serem uma questão recente, nos últimos anos avançamos muito na qualidade dos processos e das pessoas, que estão preparadas para lidar com tomadas de decisão e análises técnicas”, afirmou Vianna, ex-secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.
“Apesar dos avanços, para saber o que fazer para melhorar é preciso avaliar o que está ruim no processo atual”, disse. Vianna listou os principais entraves para a incorporação de tecnologias no Brasil.
1 - Conflitos de interesse. “Um ponto fundamental no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é a independência. Hoje o processo, tanto na saúde suplementar como no SUS, é feito por pessoas tecnicamente competentes, mas que têm conflitos de interesse. É preciso dar independência a essa estrutura.”
2 - Falta de integração no processo de avaliação de novas tecnologias. O registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a precificação na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e a incorporação pela ANS ou pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) têm que estar bem alinhados e integrados para dar agilidade e transparência ao processo, diminuindo a judicialização.
3 - Falta de representatividade no processo decisório que expresse as necessidades da sociedade. “É preciso dar legitimidade a essas tomadas de decisões com os atores envolvidos nesse processo.”
4 - Falta de flexibilidade no corpo técnico. O processo de avaliação de tecnologias em saúde tem demandas muito específicas. A complexidade do conhecimento exige uma flexibilidade para avaliar. “Não dá para ter um corpo técnico único para avaliar tudo, mesmo em oncologia. O especialista em câncer de pulmão tem um background diferente do especialista em câncer de mama. Em cada análise específica tem que ter pessoas com competência para definir o que é melhor.”
5 - O sistema de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) não pode ser reativo, ou seja, dependente das necessidades da indústria. "Ele tem que pautar as necessidades do sistema de saúde. E, para isso, é preciso definir prioridades e critérios de priorização.”
Segundo Vianna, somente uma estrutura independente pode definir quais são as prioridades de saúde e quais as necessidades não atendidas. E o sistema de saúde deve definir essas prioridades de modo transparente e independente.
6 - A precificação das novas tecnologias deve estar integrada à estrutura da avaliação e incorporação.
7 - Necessidade de unificar as agências de avaliação de tecnologias em saúde do SUS e saúde suplementar. Hoje isso é feito por processos independentes pela ANS e pela Conitec. “Mas etapas iniciais de avaliação são comuns: a análise de eficácia, de segurança e de efetividade devem ser as mesmas para o SUS e para a saúde suplementar. Com a unificação dessas etapas, o processo todo fica mais rápido e o trabalho é reduzido.”
Vianna sugere que as análises econômicas e de impacto orçamentário sejam feitas separadamente, considerando os cenários específicos para a tomada de decisões.
Esses pontos seriam consolidados com a criação dessa nova agência nacional de avaliação de tecnologias, unificando SUS e saúde suplementar. “Uma agência independente, ágil, garantindo a integração entre as diversas etapas do processo de registro e incorporação de tecnologias.”
Segundo Vianna, tudo isso foi proposto em 2019. "Está redigido, mas parado. Precisamos envolver o parlamento e retomar essa discussão. Isso tem que virar projeto de lei, pois garante que o sistema de saúde seja proativo nas demandas e necessidades em saúde.”