Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde |
Solange Beatriz, presidente da FenaSaúde, afirmou que não há recurso na área de saúde, pública ou privada, para dar tudo, o tempo todo para todo mundo
A crise econômica levou à saída de quase 2 milhões de pessoas com planos de assistência médico-hospitalar nos últimos 18 meses. A elevação dos custos com a incorporação de novas tecnologias, com a inflação médica sem freios, os desperdícios, os desvios e as fraudes formam um cenário de urgência na rediscussão das políticas públicas que afetam o mercado de saúde suplementar.
Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde, afirma que é o momento de a sociedade e o governo assumirem novas atitudes. "Os recursos estão escassos. Haverá necessidade de escolhas. "
Muita gente está deixando de ter plano de saúde por causa da crise econômica?
Solange Beatriz Palheiro Mendes - A crise agride o setor de saúde suplementar em razão do desemprego, da queda da renda da população, da queda da atividade econômica. Apesar de o setor de saúde suplementar ser mais resiliente a esses impactos (porque o consumidor abre mão de outros consumos antes de deixá-lo), com o tempo acaba sofrendo impacto. Perderam-se quase 2 milhões de beneficiários nestes 18 últimos meses.
A sra. acredita que haja dificuldade de compreensão do papel e da diferenciação entre setor de saúde suplementar e público?
Entende-se a diferenciação entre público e privado, mas as obrigações acabam sendo entendidas como as mesmas para os dois setores. Diria que isso não é provocado por uma má interpretação da população. A lei levou a esse entendimento, quando obrigou a dar toda a cobertura do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças). E induz à ideia de que o Rol de Procedimentos deve ser o mais amplo possível de acordo com o ofertado em termos de novidades em procedimentos de saúde. A população foi induzida a demandar isso, mas, na verdade, o contrato privado é de acordo entre as partes. Por quê? Porque tem a ver com a condição financeira da população. Os recursos estão escassos. Haverá necessidade de escolhas. Não há recurso, seja no público, seja no privado, para dar tudo para todo mundo o tempo todo.
Uma queixa recorrente das operadoras é a incorporação contínua de tecnologias e eventos em saúde, sem análise criteriosa de custo e de eficiência. Pode dar exemplos?
Cabe ao agente regulador dar o parâmetro. E ele tem de olhar para custo. Mas não se trata de defender equipamentos mais baratos em detrimento da qualidade. É que realmente os custos estão descontrolados, porque
avanço da medicina está enorme. Há "n" produtos e procedimentos. Como adquirir? Não há recursos para acompanhar essa evolução. Um exemplo que tem sido relatado é o da sinusite. Até há pouco tempo, sinusite não
precisava nem de raio-X. Sinusite é sinusite. Começou com a ideia de fazer raio-X para saber a extensão. Mas agora já estão fazendo ressonância magnética para sinusite! Não muda o tratamento. Às vezes é preciso saber a extensão do problema, mas em casos excepcionalíssimos.
E a tal inflação médica?
É alta do custo do serviço, que tem várias causas. Uma é a incorporação tecnológica. Procedimentos novos que são mais caros dos que os antigos. Uma tecnologia não eliminou a outra, apenas aperfeiçoou aquele procedimento. Há ainda o número de vezes de uso do serviço, a frequência. Quanto mais uso, mais gasto. Isso também impacta a inflação médica. Com o maior número de internações, aumentaram- se os gastos. E isso eleva os desperdícios. Os hospitais hoje praticam atos de comércio. Eles ganham uma margem em cima dos produtos que utilizam.
A segunda opinião médica deveria ser um padrão nos atendimentos?
Estamos propondo no plano acessível que haja a segunda opinião. E é importante trazer os consumeristas (integrantes de órgãos de defesa do consumidor) para a discussão e ajudar a diminuir a judicialização na saúde. Precisamos reorganizar os sistemas público e o privado de saúde. Tem de ser uma política de governo. Não basta o Ministério da Saúde ficar falando separadamente de saúde pública e a agência reguladora falar de saúde suplementar. Uma política de governo tem de ter várias iniciativas. Temos pleiteado a inclusão da discussão no Ministério da Fazenda pelas questões de política econômica e no Ministério da Justiça pelos órgãos de defesa do consumidor.
Quais as características do plano de saúde acessível em fase de elaboração?
Estamos discutindo. Alguns propõem a redução de cobertura. Nós achamos que, em um primeiro momento, não há necessidade de reduzir cobertura. Há outros mecanismos, como coparticipação, rede regionalizada. Reduz os custos porque elimina desperdícios, então é mais barato. Na coparticipação, o paciente pagaria parte dos exames. Menos pelo aspecto financeiro e mais por fazer parte do controle. O paciente vira questionador. A ideia é trazer os beneficiários para dentro deste controle. Ele não pode achar que paga uma operadora. Ele está pagando a assistência de saúde. São os consumidores que têm de ser fiscais.
Qual o impacto hoje da chamada judicialização da saúde?
A sociedade está chegando à conclusão de que os custos são impagáveis. É uma injustiça que comete esse consumidor que vai ao Judiciário e pede uma cobertura que não está no contrato, à qual não teria direito. Quem vai pagar essa conta? Aquele grupo do qual faz parte e não tem direito a esse serviço. O Judiciário diz que não entende de medicina, o médico diz que é urgente e ele não quer ser responsável por um óbito. Ele autoriza, mesmo sabendo que está contra a lei. Uma sociedade tem de se valer de seus princípios constitucionais e contratuais. Os contratos têm de ser seguidos. Só respeitando contratos se promove Justiça. No
afã de atender a uma demanda, o juiz não está promovendo Justiça. Justiça é feita quando se respeita o que está contratado. E o que está contratado tem de estar legal. É o caso do ambiente regulado da saúde
suplementar. Quando não se respeita o contrato, promove-se iniquidade. Promove-se injustiça.
Raio x:
Solange Beatriz Palheiro Mendes
Cargo: presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)
Formação: Pós-graduada no IAG Master em Seguros pela PUC-Rio, foi professora do MBA em Gerência de Saúde da Escola de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas, em 1998 e 1999. Atuou como diretora de Normas e Habilitação das Operadoras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre 2000 e 2004; diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), no período de 2006 a 2010, e diretora de Saúde da Federação Nacional de Empresas de Seguros Privados e Capitalização (Fenaseg), entre 2000 e 2004.